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Por Valquíria Sganzerlaa - extraído da revista ABCD em FOCO com a devida autorização


Está no dicionário: crônico é tudo aquilo que dura muito tempo. No caso das doenças, são aquelas que têm longa duração. Tendo-se em vista que as doenças inflamatórias intestinais são crônicas, como os especialistas afirmam, a tendência é que os pacientes de retocolite ulcerativa e da doença de Crohn tenham que aprender a conviver com as crises de dores abdominais, vômito e diarréia (para ficar nos sintomas mais previsíveis). Não dá para ficar na base do “tô nem aí, tô nem aí” para essas doenças. Contar apenas com corticóides ou imunossupressores toda vez que algum sintoma se manifestar, parece também que não é uma boa saída. O custo-benefício dos efeitos colaterais destes medicamentos precisa ser bem avaliado.


Em geral, as pessoas costumam dizer que se conselho fosse bom, não se dava, se vendia. Mas, mantendo um raciocínio lógico e direto, a sugestão para esses pacientes é adotar o que os médicos chamam de tratamento de manutenção. “É importante para o paciente fazer o tratamento para que as crises não voltem ou, se isso acontecer, que o intervalo entre elas seja mais prolongado” diz o Dr Flávio Steinwurz, médico gastroenterologista do Hospital Albert Einstein e presidente da Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn, a ABCD. “A escolha do tratamento de manutenção depende da localização, extensão e gravidade do caso, além de existência de cirurgia anterior e resposta verificada em tratamentos anteriores”, diz o Dr Steinwurz. É provável que o argumento mais forte para persuadir os pacientes a fazer um tratamento de manutenção talvez seja lembrá-los de que ainda não foram descobertas a causas das DII, nem a sua cura. E viver num clima de terror ou em estado de alerta contra crises o tempo todo, convenhamos, “ninguém merece”.

“A manutenção é necessária em todos os casos de retocolite para diminuir a chance de novas crises e também manter o nível de atividade inflamatória o mais baixo possível”, diz a gastroenterologista Heda Amarante, diretora regional da ABCD em Curitiba. “Já na Doença de Crohn, ainda não foi comprovado que os tratamentos de manutenção reduzam crises ou a sua gravidade. Nos casos leves e moderados faz-se a remissão da crise com o medicamento apropriado e suspende-se o tratamento”, diz a médica. A gastroenterologista Marta Brenner Machado, coordenadora da ABCD de Porto Alegre, chama a atenção que cada caso deve ser tratado de forma individual e que para os portadores de Crohn são mais indicados o imunossupressor Azatioprina e os 5-ASA, os derivados dos aminossalicilatos (Mesalazina e Sulfassalazina). “Há estudos de médicos italianos sobre os probióticos (leia a nota da NACC à pág.), que podem contribuir no tratamento como coadjuvantes”, diz a Dra Marta. O Dr Sender J. Miszputen, professor adjunto e chefe da disciplina de Gastroenterologia da UNIFESP — Escola Paulista de Medicina, também acredita que os salicilatos podem ajudar na manutenção da retocolite. “Especialmente com mesalazina e sulfassalazina, a manutenção pode fazer com que as crises tenham intervalos maiores e sem gravidade”, diz ele. A Dra Magaly Gemio Teixeira, proctologista do Hospital das Clínicas tem uma opinião diferente dos seus colegas. “Com exceção dos pacientes com a doença perianal, que precisam manter um tratamento contínuo com imunossupressores associados a outras drogas, acho que quem tem Crohn e está bem não precisa tomar nada”, diz ela.

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O arsenal de opções de medicamentos para as DII é bastante completo (veja o quadro à pág. 7): aminossalicilatos, imunossupressores, antibióticos e o infliximabe (Remicade), o medicamento que virou a coqueluche de parte dos pacientes de Crohn pela melhora que traz após sua aplicação. O incentivo maior para os pacientes se cuidarem é que a maior parte desses medicamentos, incluindo o Remicade que tem um custo bastante alto, já vem sendo distribuída, gratuitamente, pelo Ministério da Saúde. “Tudo o que existe no exterior, a gente já encontra aqui e o SUS ajuda muito. Mesmo o medicamento importado, se consegue comprar com muito pouco acréscimo”, diz o Dr Aderson Omar Mourão Cintra Damião, professor-assistente do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP. 

Outro dado importante para os pacientes é saber que já existem estudos mostrando resultados da utilização dos medicamentos pelos pacientes. “De 70% a 80% dos casos de retocolite se consegue controlar com tratamento clínico e somente 20% a 30% deles precisam de cirurgia. Quanto à Doença de Crohn, de 50% a 70% dos casos se mantêm bem, e em 30% a 50% deles a cirurgia é inevitável”, completa o professor da FMUSP.
Sobre a eficiência do Remicade, ainda não se sabe bem o resultado. “Este medicamento é recente, de 1998, mas se tem a impressão de que ele está evitando cirurgias nos pacientes”, diz o Dr Aderson. 




A ABCD em Foco conversou com cinco pacientes de Crohn e Retocolite Ulcerativa para saber como eles fazem para se manter longe das crises e se é possível viver em harmonia com as DII. Leia a seguir:

Daniel Dias Freitas, 25 anos

A história de Daniel com a Doença de Crohn começou quando ele estava com 17 anos e descobriu uma fístula anal. Depois de fazer uma colonoscopia, ficou sabendo que era um paciente de Crohn. O médico lhe receitou Meticorten e Sulfassalazina, mas estes medicamentos não impediram que ele passasse um ano com sangramento sempre que evacuava. Descobriu depois que tinha uma nova fístula na região que liga o intestino à bexiga e, em agosto do ano passado, precisou fazer uma cirurgia para tirar 30 cm do intestino. “O pós-operatório foi horrível. 

Além de os remédios para dor me provocarem vômito, se criou uma outra fistula na costura do intestino, e as fezes saíam pela barriga, através do buraco do dreno”, conta Daniel. Só após a aplicação do Remicade que sua vida melhorou e ele pretende repetir a dose. Mas o medicamento que tem sempre no seu armário é a Azatioprina: toma dois comprimidos de 50 mg, diariamente. “Eu tenho este medicamento em casa, no serviço e até na casa da minha namorada Deise”, diz Daniel, que tem 1,85m de altura e atualmente está com 84 kg. Há cinco meses, ele trabalha no Departamento de Cobrança de um banco em Porto Alegre, onde “nunca faltou, nem chegou atrasado”, como gosta de ressaltar. No final do ano, vai concluir o curso de Ciências Contábeis e agora só faz uma cadeira às terças-feiras. Nos outros dias da semana fica até as 22:00 na locadora de vídeo da qual é sócio. 




Alexandre Guimarães Gregory, 29 anos

Ele é paulista, mas mora em Curitiba há 24 anos, onde se formou farmacêutico pela Universidade do Paraná. Num dia de agosto de 2001 começou a ter diarréia repetidamente. “Fui ao banheiro 11 vezes seguidas com diarréia”, conta Alexandre, que mora com os pais e tem dois irmãos. Quando procurou um médico para saber o que estava acontecendo, lhe disseram que era portador de doença celíaca (intolerância ao glúten). Chegou a perder 12 quilos – dos seus 52 kg normais, foi para 40 kg. Depois, o médico lhe pediu para fazer o exame do trânsito intestinal. Mas só a colonoscopia feita em fevereiro de 2002 deu certeza do diagnóstico: Doença de Crohn. “Eu nunca tinha ouvido falar dessa doença e tive que tomar uma dose cavalar de corticóide”. Na verdade, Alexandre tomou Meticorten e já começou com Azatioprina, de 50 mg. “Só na primeira semana de tratamento recuperei nove quilos”, diz Alexandre que agora está pesando 58 kg. Hoje, o rapaz continua tomando dois comprimidos por dia de Azatioprina de 50 mg, religiosamente às 10h30 e às 22h30. Ele recebe este medicamento, gratuitamente, do governo depois que se cadastrou na Secretaria Estadual da Saúde. Ele trabalha todos os dias numa farmácia e se consulta com uma médica gastroenterologista somente a cada três meses. “Eu sinto como se eu tivesse tido um problema na vida que passou e tudo voltou ao normal, como era antes”, diz o farmacêutico.



Geraldo Batista, 35 anos

Ele mora no bairro Vicente de Carvalho, no Guarujá, em São Paulo. Ia completar 15 anos quando descobriu um caroço no ânus. Passou por exames, primeiro num hospital daquela cidade, depois num hospital do INSS em Santos, mas ninguém descobriu nada. Em l985, já com 17 para 18 anos, foi para São Paulo, onde ficou internado no Hospital das Clínicas por três meses, fazendo mais uma bateria de exames e recebendo alimentação parenteral. Enfim, descobriu o Crohn e passou a tomar corticóides e sulfassalazina. Nesse período, Geraldo ainda teve que lidar com a tuberculose que manifestou. Dez anos depois, em outubro de 1995, seu quadro piorou muito. Além das dores abdominais, Geraldo teve desmaio e descobriu uma perfuração no intestino. No Guarujá mesmo ele fez a primeira cirurgia para tirar o íleo do lado direito e colocar a bolsa de colostomia. Em 1998, foi preciso refazer essa cirurgia. Só que desta vez de forma radical, para tirar o ânus e o intestino grosso. “Só por Deus para você ganhar força e querer continuar vivendo”, diz Geraldo que é evangélico e teve que aprender a viver com as novas limitações. “A bolsa não é um troféu para ser mostrado para todo mundo, mas a gente tem que se acostumar com ela e as pessoas também precisam encarar esse problema com mais naturalidade”, diz Geraldo que faz parte da Associação dos Ostomizados da Baixada Santista, onde troca experiências com outros pacientes (parece que sempre com bom humor). Há seis anos, ele toma 3 comprimidos por dia de Azatioprina de 50 mg e um comprimido de Omepriazol. No mês passado fez a segunda aplicação do Remicade.





Eliete Cristina Potuk, 30 anos

Ela mora em Curitiba desde 1996 e é analista de sistemas no HSBC Bank. Teve a primeira crise aos 21 anos, quando ainda morava em Maringá, sua terra natal, e depois de alguns exames, teve diagnosticado a retocolite. Depois de quatro anos tomando sulfassalazina, começou a ter diarréia com sangramento. “Na ocasião, o médico achou que eu tinha câncer do aparelho digestivo, sem fazer nenhuma biópsia”, lembra Eliete que decidiu procurar outro profissional. Uma vez por ano, ela entrava em crise e tinha que tomar corticóides, como Meticorten. “Em oito anos, foram cinco crises”, lembra. Até que em novembro de 2001 começou uma crise da qual levou um ano para se recuperar. Corticóides, sulfassalazina, buscopan, mesalazina e um corticóide aplicado diretamente no intestino pelo reto, tudo foi tentado. “Passei a comer menos e evitava sair de casa. Só saía se fosse a lugares em que eu tivesse banheiro por perto”, diz Eliete. Já faz algum tempo que ela não tem sintomas da retocolite. Agora prefere pensar nos seus planos de casamento com George, 29 anos, seu namorado há 3,5 anos, de quem sempre teve o apoio. Segue rigorosamente o tratamento de manutenção da doença para continuar assim. Todos os dias, Eliete toma dois comprimidos de Azatioprina de 50 mg, e 3 comprimidos de Pentasa (Mesalazina), de 400 mg, que consegue do governo de graça, e ainda 2 cápsulas de Omega 3. 




Daniel Silveira da Encarnação, 25 anos.

Há três anos Daniel mora em Caxias do Sul, onde trabalha como técnico de Telecomunicações e cursa o 9º semestre de Direito. Sua história com a doença de Crohn também começou quando era jovem e morava na cidade de Rio Grande, onde nasceu. Estava com 17 anos quando teve as primeiras crises com vômitos e diarréia e os médicos lhe diziam que poderia ser úlcera ou gastrite. Chegou a pesar 57 kg (tem 1,77m de altura). Como as crises não passavam, ele ficou internado duas semanas num hospital, fazendo exames. Finalmente, descobriram que o que ele tinha era Crohn. Tomou Sulfassalazina e conseguiu três anos de trégua da doença. “O Crohn só se manifestava em épocas de mais estresse, como períodos de prova e vestibular”, conta Daniel. Logo depois foi morar na cidade de Bento Gonçalves, também no Rio Grande do Sul. Com um novo tratamento, o jovem começou a tomar Omeprazol para controlar um refluxo gástrico que tinha. Veio uma nova crise e mais uma internação hospitalar. “Apesar de eu avisar médicos, enfermeiros e até plantonistas que eu tinha Crohn, diagnosticaram apendicite. Fui para a mesa cirúrgica e só quando o médico fez o corte ele viu que 37 cm do meu intestino delgado estavam muito inflamados e ele precisava cortar. Aí eu caí na real sobre a gravidade desta doença”, conta Daniel. Após um ano e meio de tratamento com uma nova médica, Daniel mostra sinais de muita melhora. Além de aumentar seu peso, voltou a praticar esportes: duas vezes por semana costuma nadar e na quarta-feira joga futebol com os amigos. Quando está com sua namorada que ainda mora em Bento Gonçalves (eles estão juntos há quatro anos) gosta de ir ao cinema. Todo o dia toma a Azatioprina, de 50 mg. O Remicade nunca tomou.

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